segunda-feira, 26 de março de 2012

Artemis: do Solo Sagrado ao Arco da Lua



Arquétipos Divinos trazem muito à tona conteúdos que falam dos instintos humanos. Falar em Artemis, portanto, é falar em competição e amizade entre o gênero; mas também de guerra e suas variantes. Esta Deusa representa os instintos puros de caça, e por ser uma Deusa da Lua acrescenta a este conceito também uma intuição milimetricamente focada no que está ao redor, um instinto de percepção muito apurado, não deixando que aparências (de atos ou palavras) enganem – o mesmo jogo de espreita, sagacidade e persistência com que a Deusa observa os animais selvagens é aplicado a todas as áreas da vida; principalmente àqueles que tem este arquétipo com maior “volume” em sua essência humana.

Apolo e Artemis, Brygos 470 a.E.C.
Louvre Museum
É uma das doze Divindades gregas do Olimpo, uma das mais populares Deusas do panteão grego, inicialmente ligada à floresta e à caça. Depois associou-se também à luz da Lua e à magia – filha de Zeus e Leto, e irmã gêmea de Apolo. Sua mãe foi perseguida por Hera, a Deusa-Rainha protetora do casamento e do parto, que não quis recebê-la quando estava prestes a dar a luz, pois odiava e perseguia as amantes de Zeus e os filhos de tais relacionamentos. Esperando gêmeos, Leto chegou à ilha de Delos e deu a luz no Monte Cinto. Primeiro Artemis. Como sua mãe estava só, Artemis a ajudou com o parto do irmão, Apolo.

Nesta etapa do mito podemos discorrer sobre dois pontos: o primeiro dizendo respeito ao seu nascimento ter sido antes de seu irmão, creditando a independência (como ser e como mulher) que em seguida é solicitada a Zeus; segundo, o fato de ter ajudado sua mãe no parto de Apolo, gerando a ela os títulos de “Deusa dos nascimentos” ou “Deusa dos partos”. Na verdade, aqui Artemis apresenta sua segunda qualidade mais forte – o auxílio àqueles que dela precisam (especialmente mulheres). Contudo, este segundo ponto pode levá-la também ao conceito de “iniciadora”, correligando-a com a imagem e “função” da Lua Crescente; seu símbolo maior. A ligação com nascimentos pode ser atribuída a ela, mas não dentro dos contextos femininos habituais – os partos feitos por Artemis relacionam-se com o desbravamento necessário para que objetivos saiam do papel e/ou da mente, e passem a habitar o mundo das formas. O nascimento de Apolo por suas mãos, sendo assim, é um dos maiores símbolos da força feminina primitiva – capaz de trazer a luz (Apolo/Sol) da escuridão (Leto/Deusa do Anoitecer/útero).

Nas representações arcaicas e clássicas, Artemis era uma moça bela e severa, em trajes de caça, armada de arco e flecha; e muitas vezes acompanhada de animais (uma corça, habitualmente).
De Zeus, Artemis ganhou arco e flechas, além de uma matilha, Ninfas para acompanhá-la e uma túnica para que pudesse correr pelos bosques. Por fim, também recebeu o dom da castidade.

O arco representando a forma da Lua Crescente é, certamente, um dos ícones do simbolismo de Artemis. Suas armas unidas aos seus dons de caça e instinto lunar tornam-se perfeitas, pois nada nem ninguém é capaz de fugir da mira de seus objetivos. Os cães, por sua própria simbologia, aparecem em muitos mitos empregando suas capacidades: ora como “ajudantes” de caça na floresta; ora como servos da Deusa na aniquilação de inimigos seus ou daqueles que a ela pediam socorro. As Ninfas (do grego nimphe – “noiva”), como espíritos dos bosques a acompanhar Artemis, ocupam lugar especial em todas as versões dos mitos, pois a acompanhavam na exploração de novos territórios e nas caças. Como a Deusa, eram também castas, não coagidas pela domesticidade – representando o rompimento da ordem limitadora. O último pedido concedido por Zeus é certamente o menos compreendido em nossa sociedade atualmente, devido à deturpação que o termo sofreu ao longo do tempo.

Castidade vem do verbo latino carere, que origina a palavra castus, trazendo conceitos de corte e separação. A idéia básica vem da agricultura, onde um ramo cortado de uma planta reproduzirá as características da mesma – na verdade, castrar significa multiplicar partes isoladas. Ou seja: Artemis não pede a infinita virgindade a Zeus (sob o conceito tradicional), mas sim a independência como mulher. A Deusa da Caça e da Lua é independente, principalmente da figura masculina – numa visão mais antiga e própria do mito, ela tem a independência principalmente de escolher seus parceiros. E mesmo nas versões onde ao invés de “casta” colocam-na como “virgem”, vamos à origem do termo e chegamos à palavra grega parthenos (não unida no casamento). Na verdade, ela é intocada sim – mas em relação ao poder de decisão do qual jamais abrirá mão. Nada além de seus instintos e suas metas a governa. Não há limitações nos bosques de Artemis. Sua túnica a cobre, suas Ninfas a acompanham, seus cães a protegem, suas armas atingem seus objetivos. E quando um valente guerreiro merecer seu coração ela estará pronta – como na passagem do mito que fala sobre Órion:

Artemis apaixonou-se perdidamente pelo jovem Órion ou Orionte, filho de Posêidon, que também era um grande caçador como ela. Mas Apolo não gostava dele e muito lhe desagradava a afeição da irmã pelo jovem. Enciumado, decidiu impedir que ficassem juntos. Ardilosamente, uma vez estavam os dois em uma praia quando seu irmão percebeu Órion mergulhado na água e somente com a cabeça de fora. Apolo mostrou aquele objeto escuro para a sua irmã e desafiou-a em acertá-lo. Vaidosa e sem saber que se tratava da cabeça de Órion, ela prontamente retesou o arco e acertou-a com sua flecha. As ondas trouxeram o corpo de Órion até a praia e ela. Em sua dor, não querendo que o amado desaparecesse para sempre, colocou-o entre as estrelas do céu em ele aparece como um gigante com cinto e espada, vestindo pele de leão e segurando uma clava, acompanhado pelo seu cão, Sírius.


Daqui, surge a conhecida Constelação de Órion. Não tanto por si, mas por seu “detalhe”: o Cinturão de Órion, popularmente conhecido como “As Três Marias”, localizado bem no meio da constelação – uma das poucas que podem ser vistas nos dois hemisférios. Em outras faces do mito, Órion estaria fugindo de um escorpião enviado por Apolo quando é alvejado pela flecha de Artemis. Assim, a Deusa teria pedido a Zeus que enviasse tanto Órion quando o Escorpião ao céu para que fossem eternos.

“Entrega-me as montanhas. Nelas habitarei.” – disse a Zeus, seu pai.

As montanhas, de ar puro e larga vista, são, junto aos bosques, domínios de Artemis; fazendo aqui uma outra conexão com os “inícios”, bem como ocorre se a ligarmos à Lua Crescente ou mesmo ao título de Deusa dos Partos. Montanhas são veneradas historicamente por seu ar puro, mas também pelas fortes correntes de vento que as rodeia. Artemis, assim como todas as Divindades, pode ser relacionada a todos os Elementos Naturais (pois tudo o que existe é composto pela combinação entre eles). Mas é o Ar, o Elemento do Sopro de Vida, que ela representa mais diretamente. Pois como o Ar ela permeia entre as brisas e as tempestades. Como o Ar ela vem dar início aos questionamentos mais profundos que geram mudanças, instigando a consciência liberta de amarras. Artemis relacionada ao Ar é o início: o primeiro passo da jornada, o amanhecer – a flecha que rasga a rotina. É a visão do campo pronto para ser trabalhado – a promessa de expansão dos objetivos quando alcançados. O farfalhar das folhas cantam seu nome, pois ela é a própria floresta e o ar que cada planta respira.

A severidade da Deusa é também algo marcante, tornando-se item imprescindível em seu estudo. Diferente do que é muito difundido, e ocorre com todas as “Deusas Brancas”, Artemis não é plenamente “iluminada”. Como tudo no Universo, ela também possui dois lados. E somente através desta conjunção é que poderemos chegar mais próximos da abrangência de seu poder manifesto. O mito de Níobe mostra claramente isto:

Níobe, filha de Tântalo a irmã de Pélops, saiu da Ásia para se casar com outro filho de Zeus – Anfíon, famoso músico que reinava em Tebas. Teve muitos filhos e filhas (a quantidade varia conforme a fonte de pesquisa).

A rainha estava tão orgulhosa e feliz com sua prole que cometeu o erro de se declarar superior à Deusa Leto, que tivera somente dois filhos – Apolo e Artemis. Leto se ofendeu e pediu aos filhos que a vingassem. Apolo matou então, com suas flechas, todos os rapazes; Artemis fez o mesmo a todas as moças. Em algumas versões, o próprio Anfíon foi morto ao tentar defender os filhos.

Na versão mais antiga, a da Ilíada, as crianças foram sepultadas pelos próprios Deuses, onze dias após sua morte. Relatos mais recentes informam que Níobe, cheia de dor, voltou para junto de Tântalo, na Ásia, e tanto chorava que os outros Deuses se apiedaram dela: transformaram-na numa rocha perto do Monte Sípilo, de onde uma nascente vertia água constantemente.



Mais uma vez, portanto, a face da destruição apresentada pela Deusa. Pois assim como rege a lealdade no clã e representa os impulsos iniciáticos; está presente também nas ações que necessitam de rápida solução, mesmo que drásticas e violentas. Artemis é uma Deusa Guerreira. Sendo assim, jamais se excluirá de lançar suas flechas ou enviar seus cães em nome daqueles que pedem sua proteção (principalmente quando estes são abusados por outros) ou mesmo contra os que a ofendem. A soma simbólica de suas características de caçadora e Deusa da Lua trazem efetivamente às suas armas a representação da grande capacidade de focar e ir em busca de seus objetivos – seja à luz da consciência e da razão, seja sob a capacidade embotada pelos engodos do ego ou da realidade imediata.

Mitos mais conhecidos:

Acteon – Como de costume, Artemis banhava-se nas águas das fontes cristalinas, quando foi surpreendida pelo caçador Acteon que ali se dirigiu para saciar a sede. A vê-lo transformou-o em um veado e tornou-o vítima da sua própria matilha que o estraçalhou.

Agamenon – Este matou um cervo em um bosque consagrado à Deusa. Esta exigiu do grego o sacrifício de sua filha, Ifigênia, para que os ventos voltassem a soprar e permitissem a partida da frota grega para Tróia. Posteriormente, Artemis teve pena da jovem e não deixou que ela fosse sacrificada, levando-a consigo até seu templo, e ali Ifigênia tornou-se Sacerdotisa.

Calisto – Era uma Ninfa que acompanhava a Deusa pelos bosques e por quem Zeus se apaixonou. Como ela fugia de todos os homens, Zeus se aproximou dela na forma da própria Artemis, e conseguiu seduzí-la. Quando a Deusa percebeu a gravidez de Calisto, expulsou-a de sua companhia e, mais tarde, transformou-a em ursa*.

*A ursa tornou-se, ao lado da corça, um símbolo de Artemis – a essência da Ninfa viva ao lado de sua Deusa.

A Deusa Arqueira pode objetivar qualquer alvo, esteja próximo ou distante, representando a habilidade de concentração intensa naquilo que é importante e a permanência imperturbável no caminho até que alcance seu objetivo. Novamente unindo forças caçadoras e lunares, vem ensinar que enfoque, perseverança e espreita conduzem às realizações – talentos que instintivamente carrega.

Mas Artemis não “surgiu” originalmente entre os gregos. É muito anterior a eles. Em suas formas mais primitivas Artemis era retratada como a Grande Deusa Mãe, como demonstra sua estátua na cidade de Éfeso (costa oriental da atual Turquia).

A região servia como porto comercial entre Oriente e Ocidente. A Artemis de Ephesus era interpretada nesta cidade como uma Deusa da Fertilidade, pintada frequentemente com muitos seios, representando sua condição absolutamente fértil. Seu primeiro santuário foi erguido por volta de 800 a.E.C. junto a uma pedra sagrada creditada como “um meteorito caído de Júpiter”. Foi erguido e destruído diversas vezes até que em 600 a.E.C.o arquiteto Chersiphron tomou a frente da reconstrução. Nesta época a condição de principal porto de comércio tornou a cidade mais rica e produtiva, motivando seus moradores a erguerem um novo templo sobre os destroços antigos, porém maior do que todos os outros anteriores.


Detalhe nas ruínas de Ephesus
Além dos múltiplos seios, a Artemis primitiva tinha gravado em seu corpo também a Roda Zodiacal e muitos aminais, como vacas, leões e cavalos. Simbolizava, assim, o instinto primal de gerar, viver e morrer, o poder verdadeiro da Grande Mãe – tanto a Nutridora quanto a Ceifadora da vida, chamada Proto Thronia, A Primeira no Trono.

Arqueólogos como Marija Gimbutas apontam para ícones Neolíticos como sua origem na arte religiosa. Sob este aspecto, Artemis é considerada com uma data anterior à sua origem “divulgada” pelos mitos gregos, com influências Indo-Européias que mais tarde deram forma à Deusa em sua região (como agora conhecemos). Seguindo as influências patriarcais da invasão Indo-Européia na região do Egeu, Artemis expandiu-se na clássica Deusa casta da Caça, conhecida na mitologia popular. Este fato despojou a Deusa de sua imagem de mãe e a “reduziu” à Deusa das Florestas, diminuindo a extensão de sua antiga adoração. Uma forma bem menos ameaçadora aos preceitos da nova religião que se instalava. Foi o Apóstolo Paulo o incumbido de converter os ephesianos ao Cristianismo, no ano de 57 E.C.. Encontrou lá uma cultura pagã muito forte e além disso outro empecilho era o ganho de capital que os “donos” da cidade tinham com a venda de miniaturas de Artemis. Todavia, o processo de conversão foi sendo feito aos poucos, sendo que no século IV E.C. a maioria do povo ephesiano era cristão. Hoje apenas uma coluna do templo monumental está de pé, resguardando um pouco de sua história.


Ruínas do Templo de
Artemis de Ephesus, encontradas
em escavações por volta de 1904 E.C.

Artemis de Ephesus, séc. I E.C.
Ephesus Archaeologican Museum



Ainda numa visão primitiva, Artemis que conhecemos é a “herdeira” de Potnia Theron, a Senhora dos Animais da civilização Neolítica, representada cercada de animais e alada, com desenhos de peixes e espirais na sua túnica, vistos como símbolos do fluxo de energia criativa. Assim, Artemis (Artemis Orthia) era a Mãe da Floresta, invocada por caçadores e viajantes que eram por ela protegidos, desde que eles não matassem fêmeas prenhas e filhotes, não caçassem por esporte ou distração, nem desperdiçassem recursos e riquezas naturais.

Potnia Theron, Senhora dos Animais
Artemis Orthia;

National Museum, Atenas.
Artemis foi reverenciada ao longo do tempo e do espaço, com diferentes atributos, nomes e rituais, mas permanecendo sempre como a Megale Artemis, a Grande Deusa. Das montanhas de Anatólia, o habitat das tribos de Amazonas, seu culto espalhou-se para África, Sicilia, Europa, as ilhas gregas como Creta e Delos, até Trácia na Grécia, onde floresceu em Brauron com as iniciações e danças das meninas–ursas.

Artemis Orthia,
Atens National Museum
Foi conhecida por muitos nomes na mitologia grega: como Ilithyia diante do aspecto Deusa dos Nascimentos; Agrotora, a protetora dos caçadores; Kalliste, Calisto e Brauronia em sua forma de ursa; e Diktynna como protetora dos percadores.

Foi e é frequentemente confundida com Selene e/ou Hécate, também Deusas Lunares. Na verdade, Artemis em alguns mitos forma o Feminino Tríplice com estas duas Deusas – onde Selene reina no céu, Artemis na terra e Hécate no submundo.

Na cultura romana Artemis tem sua “paralela”, Diana, que assim como a Deusa grega rege a caça e as forças lunares crescentes. Unidos ao mito de Diana estão mais fortemente o Lago Nemi (local onde o templo da Deusa foi erguido, cercado pelo bosque sagrado; conhecido também como “O Espelho de Diana”, pois o reflexo da lua em suas águas podia ser claramente visto do templo); e Rex Nemorensis – o Rei da Floresta (figura lendária que guardava o templo de Diana no bosque do Lago Nemi).

Por fim, em uma visão psicológica, vê-se que a preocupação com mulheres “fracas” gera a partir de Artemis um comprometimento muito competente em tudo o que se relaciona com violação feminina e sua legítima defesa – o cuidado da Deusa com mulheres hostilizadas e maltratadas, bem como incesto e pedofilia, é de natureza muito forte. Agressores desta linha tendem a sofrer terrivelmente aos pedidos de proteção à Artemis.

Esta natureza selvagem não deseja o doméstico. Deseja, sim, o ar da montanha, a luz da lua e a contemplação do deserto. Ou seja: assim que se coloca como presa de algum vício, padrão domesticado, retenção de fluxos ou idéias engessadas, esta natureza artemísia corre o risco de morrer. O corpo ainda respira, caminha e cumpre seus deveres – mas já não vive.

A mulher tocada por Artemis não vive fascinada por conquistar homens, tão pouco deseja relacionamentos do tipo “papai, mamãe”. Dificilmente, inclusive, sentirá a falta da presença masculina em sua vida, já que seu fascínio está na conquista de objetivos nos quais o homem quase nunca está insluso. Evita, assim, homens que queiram ser o centro de seu mundo, dando ênfase a relacionamentos baseados em padrões de igualdade. Sua natureza não permite que a prendam em nenhuma circunstância, bem como nunca se sentirá bem com a idéia de prender algo ou alguém.

Pode não ser maternal, mas será uma boa mãe dentro de seus próprios critérios artemísios, encorajando os filhos a serem independentes e a saberem se defender sozinhos.

E na esmagadora maioria das vezes chega ao ápice da crueldade para defender suas crias: sejam elas filhos, amigos, valores ou projetos.


HINO DE HOMERO À ARTEMIS

Eu canto à Artemis, cujas setas são de ouro,
Que se alegra com os cães de caça.
A Pura Donzela, Caçadora de Veados,
Que se deleita com a arte de atirar flechas.

Irmã de Apolo, com a Espada Dourada,
Sobre os morros sombreados e picos batidos pelo vento
Ela saca seu arco dourado,
Alegrando-se na perseguição, e lança severas setas.
Os cumes das altas montanhas tremem,
E pela floresta em sombras
Ecoam os gritos assustados das feras dos bosques;
A terra treme
Assim como o faz o mar, cheio de peixes.

Mas a Deusa de valente coração
Se vira para todos os lados
Destruindo a raça das feras selvagens,
E quando está satisfeita
E alegrou Seu coração,
Esta caçadora solta seu arco
E parte para a grande casa de Seu irmão,
Para a rica Terra de Delfos,
Para lá comandar
A Dança das Musas e das Graças!


"Artemis, historicamente, portanto, assumiu muitas identidades; sendo uma síntese das energias multifacetadas da essência feminina." - Mirella Faur
 
Fonte: Blog Summer Luppus

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Nascimento de Apolo e Ártemis



— É tudo verdade, Hera: Leto está grávida do seu esposo, Zeus! Iris, a mensageira e confidente de Hera, era quem descobrira a novidade. — Pois quero esta mulher bem longe de qualquer terra, compreendeu? — esbravejou Hera, enciumada. — Bem longe de qualquer terra. “Bem longe de qualquer terra”, pensou Iris. “É um bocado longe.”
Leto, com o ventre dolorido, foi obrigada, assim, a percorrer o mundo todo — atravessando, exausta, lugares como o Quio, a Trácia, a Mica, a Eubéia, as ilhas do mar Egeu, sem jamais receber abrigo de quem quer que fosse, em lugar algum. E como se isto não bastasse, atrás dela ainda ia Píton, uma terrível serpente encarregada de devorar os seus filhos. Sem dar um segundo de descanso, a pavorosa serpente empenhou-se na sua tarefa, sem nunca, entretanto, conseguir alcançar o seu objetivo maior.
Assim, depois de muito vagar, Leto acabou por chegar a ilha de Ortígia, onde encontrou, finalmente, um abrigo. Ortígia era uma ilha flutuante, não estando fixa, portanto, em lugar algum, não fazendo parte da terra. Ali, durante nove dias e nove noites, Leto gemeu sob o império da dor mas Ilítia, a deusa que preside os partos, soube dos sofrimentos atrozes pelos quais a pobre mãe passava e resolveu socorré-la. — O filho de Leto será o mais belo dos deuses, e para mim será uma honra excelsa presidir o seu nascimento — disse ela as amigas, antes de partir.
E assim foi. Depois de intenso sofrimento, Leto viu seus trabalhos duplamente recompensados: de seu ventre saíram não um, mas dois filhos — um belo menino, de nome Apolo, e uma graciosa menina, chamada Artemis. — Al tens o dia e a noite, um em cada braço — disse Ilítia, ternamente. Apolo, de pele alva e louros cabelos, de fato era a representação perfeita do sol e do dia, enquanto que Artemis, de cabelos negros caídos sobre um colo faiscante, representava a lua envolta pela noite. Zeus deu a seus filhos muitos presentes, mas o que mais lhes agradou foi um maravilhoso arco confeccionado por Hefesto. Desde este dia Artemis afeiçoou-se de tal modo ao seu exercício, que acabou se tornando a deusa da caça. Quanto a Apolo, tinha em mente, antes que tudo, vingar sua mãe. — Diga-me, meu pai, onde está a terrível serpente que perseguiu tão cruelmente a minha mãe - disse ele, com os olhos postos no céu - , e irei matá-la com minhas próprias setas.
Leto e seus filhos abandonaram a ilha - que passou a se chamar, desde então, Delos, ou seja, "ilha luminosa", em homenagem ao deus da luz e do sol - e, após vários percalços, chegaram enfim ao seu destino.
- Eis o monte Parnaso, meus filhos - disse Leto, abraçada aos dois. Mas aquele local magnífico, repleto de montanhas e abundante vegetação, escondia também um horror. Era ali que a serpente Píton, filha da Terra, vivia, instalada bem ao pé do monte Parnaso em um imundo covil.
- Chegou a hora, maldita serpente - disse Apolo, enganchando uma flecha em seu poderoso arco - , de acertarmos as nossas contas.
De dentro da caverna partiu um urro tremendo, que fez desmoronar muitas montanhas ao redor. Logo em seguida um bafo pestilencial, um misto de fogo e de sangue, foi expelido de dentro, incendiando tudo que estivesse à sua frente. A serpente medonha escorregou para fora da cova como se fosse uma língua em chamas expelida pela goela escancarada da montanha.
Apolo, após subir em cima de um rochedo, estendeu o mais que pôde a corda de seu arco e mirou no abismo de sua boca infernal. A fera, contudo, desviou-se da seta, dando um salto inesperado e rolando de lado sobre a relva, que ficou toda crestada.
- Apolo, meu filho, cuidado! - gritava sua mãe, abraçada a Artemis, que queria se desvencilhar dos braços da mãe e ir ajudar o irmão. - Não se meta nisto, minha irmã! - bradou o deus solar. - Você é muito nova e frágil para enfrentá-la!
Apolo nem se dava conta de que tinha a mesma idade da irmã, mas naquele momento foi a única coisa que lhe ocorreu para manter a salvo as duas mulheres. A serpente agora estava completamente em pé - parecia impossível, mas estava completamente ereta, como uma gigantesca palmeira -, e seu ventre, originalmente claro, estava todo coberto de sangue seco e dos ossos esmagados de antigos e horrendos festins. Um silvo ensurdecedor passou sobre o rosto de Apolo, como um vento quente e mórbido que um vulcão houvesse expelido em seu rosto.
Píton entesou o seu corpo e lançou um bote quase certeiro sobre a rocha onde o deus do sol se mantinha precariamente equilibrado. Um grande dente amarelado da serpente ficou cravado sobre a rocha, como se fosse uma gigantesca espada enterrada na pedra. Dela escorria um líquido pestilencial da cor do âmbar e que exalava um odor terrivelmente nefasto.
Apolo foi cair sobre a saliência de um penedo, ainda entontecido pelo bafo mefítico de sua cruel inimiga. A serpente Píton, após relancear a cabeça em várias direções, arregalou suas grandes pupilas horizontais: uma centena de línguas fendidas saíram ao mesmo tempo de sua boca e chicotearam o ar em todas as direções. A temível Píton farejava novamente a sua presa
Mas antes que volvesse sua cabeça na fatídica direção, Apolo já estava em pé outra vez. Retesando ao mesmo tempo em seu arco três de suas mais afiadas setas, Apolo esticou a corda ate que ela quase estalasse. — Serpente maldita, aqui está o seu castigo! — disse o deus, despedindo as três setas, que partiram sibilando pelo ar.
Já no caminho as poderosas setas foram duelando com as línguas serpenteantes da víbora, e uma chuva delas caiu do alto, decepadas pela velocidade das setas. Em seguida, cada qual tomando seu caminho foi buscar um alvo diferente: a primeira foi alojar-se no olho esquerdo da víbora; a segunda penetrou em seu peito, ausente de escamas, enterrando-se em seu coração; e finalmente a terceira entrou-lhe pela boca adentro, tirando-lhe o hausto da vida. Como uma palmeira que tomba, a serpente Píton caiu, provocando um grande estrondo, que fez tremer a Terra durante oito dias.
Apolo vencera. Tomando então sua lira — que Hermes lhe dera de presente —, ele entoou sua canção de vitória, abraçado a mãe e A irmã. Disse a elas, triunfante: — Aqui enterrarei a terrível serpente, e sobre seu túmulo erguerei um sagrado templo, além de um oráculo, que será em breve o mais famoso de todos. Era o oráculo de Delfos, local onde todo mortal iria sondar os irrevogáveis decretos das Moiras, as deusas que presidem ao destino.

Fonte: www.templodeapolo.net

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Hino Órfico a Ártemis




Ouça-me filha de Zeus, rainha celebrada, Bromia e Titanis, de conduta nobre; a que em dardos se rejubila e em tudo brilha, a Deusa portadora da tocha, a divina Diktynna. Sobre os nascimentos presides e és uma donzela a cujas dores do parto concedes pronto auxílio; aliviadora da cinta, e de cuidado dobrado, feroz caçadora, gloriosa na guerra silvícola; veloz em seu curso, habilidosa com flechas temíveis, a que perambula pela noite, se rejubilando nos campos; a de forma valorosa, ereta, de mente generosa, ilustre Daimon, enfermeira da humanidade; imortal, terrena, ruína dos monstros caídos, esta tua abençoada donzela, nas montanhas arborizadas habita; adversária do veado, que se delicia em florestas e cães, na juventude infinda tu floresces bela, clara e brilhante. Ó rainha universal, augusta, divina , de formas variadas, o poder Cydoniano é teu. Deusa guardiã da veneração e respeito, com mente benigna, auspiciosa vens, aos ritos místicos inclinada; dê a terra um estoque de bonitos frutos a colher, envie paz gentil e saúde, com um cabelo adorável, e para as montanhas dirija a doença e o cuidado.


Fonte: RHB